Aos 21 anos, Mamirauá relembra histórias de maior impacto na conservação e qualidade de vida de ribeirinhos

Publicado em: 20 de abril de 2020

Em abril, o Instituto Mamiraúa, organização social vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovação e Comunicações (MCTIC), completou 21 anos. Diante do contexto dramático que vive o Amazonas, optamos por não celebrar a data nas nossas redes e, em vez disso, priorizamos o lançamento da primeira plataforma de monitoramento em tempo real da doença no estado. Mas entendemos que o momento é de reafirmar nosso compromisso com a ciência e a resiliência das comunidades tradicionais da Amazônia. Por isso, nos próximos dias, vamos publicar uma série de histórias que impactaram positivamente na conservação da biodiversidade e na qualidade de vida das populações, condições essenciais para evitar que zoonoses sejam transmitidas aos seres humanos e para enfrentar doenças como a covid-19.

Tecnologias sociais agregam valor e melhoram condições de trabalho de produtores de farinha de mandioca no Amazonas


Produzida por comunidades ribeirinhas do Médio Solimões, no estado do Amazonas, ela é o sustento de centenas de famí­lias na região.Foto: Bernardo Oliveira

Muito diferente das farinhas de mandioca consumidas em outras regiões do país e indispensável na mesa de qualquer amazonense, a farinha Uarini atrai hoje a atenção e o interesse de chefs renomados da gastronomia nacional e internacional. Produzida por comunidades ribeirinhas do Médio Solimões, no estado do Amazonas, ela é o sustento de centenas de famí­lias na região.

Pensando em aumentar a renda e a autonomia dos produtores, melhorar suas condições de trabalho e atender essa demanda de paladares exigentes, agregando valor ao produto, o Instituto Mamirauá desenvolveu um modelo de casa de farinha que, enquanto preserva a técnica artesanal, inova no uso de tecnologias sociais e energia limpa.

Aperfeiçoar o trabalho não necessariamente significa negar o modelo tradicional de produção."Agregar ao conhecimento tradicional as boas práticas de produção, mais higiênicas, eficientes no uso de recursos naturais e com impactos positivos na saúde e qualidade de vida dos produtores representa muito da missão do Mamirauá de aliar ciência às técnicas consuetudinárias dos povos da região", como afirma Dávila Corrêa, diretora de manejo e desenvolvimento do instituto.

Tudo começa com a instalação de um sistema de captação da água da chuva e a instalação de diversas caixas d'água usadas para deixar a mandioca de molho. Antes, o processo de lavagem e amolecimento da mandioca era feito por agricultores, muitos deles adultos e idosos, que permaneciam durante dois ou três dias com as pernas mergulhadas nos igarapés, com isso muitos agricultores relatavam muitas dores nas pernas e articulações, que se agravavam com os anos.

Além de ajudar nesse processo, o sistema de captação de água da chuva também alimenta as áreas de higienização e sanitários, que não estão presentes na maior parte das casas tradicionais de farinha. Uma prensa desenvolvida com macaco hidráulico reduz agora o esforço físico necessário para prensar a mandioca, que depois segue para os processos de secagem, beneficiamento e torragem.

Uma das maiores queixas dos produtores referia-se  à inalação de fumaça durante a torragem da mandioca. Os novos fornos ecológicos, além de possuírem chaminé, economizam lenha e permitem o controle manual da temperatura do forno, que, dizem, é o segredo da farinha Uarini.

Segundo Fernanda Viana, coordenadora do Programa de Manejo de Agroecossistemas do Instituto Mamirauá, o uso de tecnologias sociais no melhoramento das casas de farinha foi pensado para beneficiar especialmente famí­lias de pequenos agricultores familiares, que muitas vezes não tem oportunidades de comercializar sua farinha para mercados diferenciados, por não terem o mesmo acesso aos recursos necessários para construir uma capacidade mínima de instalação, que atenda aos padrões exigidos.

"O que eu espero com essa iniciativa das casas de farinha é que a gente venha a ganhar mercado, e dizer que esta farinha com a qual estamos trabalhando é de boa qualidade, e fazer um bom trabalho para alcançar um ganho a mais" diz Edna Rocha Lopes, uma das agricultoras beneficiada pelo projeto.

Além das melhorias na estrutura, a própria produção de farinha também vem passando por um processo de transição agroecológica que, aliada à sua notoriedade nacional, culminou na conquista do selo de Indicação Geográfica, na modalidade Indicação de Procedência (IP) conferido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) à Associação dos Produtores de Farinha da Região Uarini (APRU) para o produto Farinha Uarini. O selo denomina a origem, reconhece, protege e valoriza produtos de procedência determinada.

A farinha Uarini, também chamada de farinha ova ou farinha ovinha, é reconhecida pelos consumidores pela sua crocância, coloração amarelada e pela forma arredondada dos seus grãos, que se assemelham a uma ova de peixe. Após a conquista do selo, ela passa a se diferenciar das demais farinhas do mercado também porque sua produção promove a conservação do meio ambiente, por ser produzida de forma agroecológica, fortalecendo a produção limpa (livre de agrotóxicos) e justa (por valorizar o pequeno agricultor e seu modo tradicional de produção).

A delimitação geográfica do selo compreende os municípios de Uarini, Alvarães, Tefé e Maraã, onde o cultivo da mandioca e a produção de farinha estão fortemente enraizados na cultura local. Não é permitido o uso de agrotóxicos ou outros insumos agrí­colas externos, a não ser os autorizados na Lei de Orgânicos. Com a replicação desse modelo de casas de farinha e o impacto visí­vel na geração de renda e qualidade de vida, o próximo passo é a conquista da certificação orgânica, que já está sendo demandada pelas famí­lias da região. 

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