Pesquisa investiga fatores de risco para contágio por zoonoses em comunidades do Amazonas

Publicado em: 19 de abril de 2016

Uma pesquisa conduzida pelo Instituto Mamirauá, unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, busca identificar os fatores de risco associados à transmissão de zoonoses, ou seja, doenças animais que podem ser transmitidas aos humanos. Esse trabalho faz parte de um projeto mais amplo, sobre epidemiologia de mamí­feros da fauna cinegética.

Para isso, foram descritos os hábitos de caça da região, delimitando as diferentes etapas e modos de realização da atividade pelos comunitários. Entre os dados levantados estão, por exemplo, o modo de busca pelo animal, o número de participantes, gênero e faixa etária dos comunitários envolvidos nas atividades, modo de evisceração, de limpeza, de preparo e de consumo por essas comunidades. 

A médica veterinária Louise Maranhão de Melo, pesquisadora do Instituto Mamirauá, ressalta que os mamí­feros são os mais consumidos pelas comunidades da região, com destaque para paca (Cuniculus paca), cutia (Dasyprocta fuliginosa), queixada (Tayassu pecari) e anta (Tapirus terrestris). "Animais silvestres são considerados potenciais reservatórios de doenças infecciosas. Muitas doenças que geralmente são causadas em seres humanos são oriundas de animais, sejam silvestres ou domésticos", afirma.

A caça por subsistência se configura como uma atividade comum entre as comunidades rurais do Amazonas, como forma de suprir as necessidades proteicas dessas populações. A pesquisa, realizada desde 2013, viisa compreender os possíveis fatores de risco para transmissão de doenças, relacionados a essa atividade,  a partir do acompanhamento de quatro comunidades na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Amanã (AM).

Uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável é "uma área natural que abriga populações tradicionais, cuja existência baseia-se em sistemas sustentáveis de exploração dos recursos naturais", como definido na lei que regulamenta o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza. As comunidades desempenham importante papel para a proteção da floresta e para a manutenção da diversidade biológica, enquanto as áreas oferecem os recursos naturais para a sobrevivência dessa população. 

Louise destaca que, segundo a literatura, 60% das doenças que ocorrem em seres humanos são zoonoses, e 71% dessas doenças são oriundas de animais silvestres. De acordo com a veterinária, a ausência de inspeção sanitária e de equipamentos de proteção individual, pelos comunitários que participam da atividade, aumenta o risco de contágio. Durante a pesquisa, além do acompanhamento das diferentes etapas da caça, também foi realizada entrevista a partir de questionários semiestruturados com 21 comunitários.

Os resultados demonstraram que, na Reserva Amanã, a atividade de caça é realizada integralmente pelos homens, sendo as mulheres responsáveis pelo preparo da carne. Um dado preocupante apontado pelo estudo foi de que 95,2% dos comunitários, que participaram do questionário, não associam o risco de transmissão de doenças ao contato direto com sangue e outras secreções dos animais abatidos. E todos os entrevistados declararam não utilizar equipamentos de proteção para evisceração e limpeza dos animais, tais como luvas e botas.

Outro dado apontado pela pesquisa foi que a evisceração e limpeza são realizados majoritariamente no ambiente de floresta, sendo 71,4% dos casos, e as carcaças e vísceras são geralmente lavadas no corpo d’água mais próximo. As vísceras são descartadas principalmente na mata, caracterizando 66,6% dos casos narrados, ou na área da comunidade, quando a limpeza é feita nesse local. O local escolhido para limpeza e evisceração está diretamente relacionado à espécie caçada, em função de seu peso e tamanho.

De acordo com o estudo, os comunitários possuem a prática de oferecer as vísceras cruas para os cães da comunidade, como informado em 76% dos relatos. "Uma vez que esse cão come um fígado com os cistos, por exemplo, as larvas vão se desenvolver para a fase adulta nesses animais, fechando o ciclo do parasito, e assim eles eliminam ovos pelas fezes contaminando o ambiente. A transmissão ocorre através da ingestão de ovos, seja pela água, alimento ou mãos contaminadas".

Outra etapa do trabalho é a coleta de amostras biológicas para pesquisa de patógenos, de análise em laboratório. Por exemplo, entre as amostras analisadas, duas pacas possuíam cistos hidáticos no fígado, o que significa que apresentavam a forma larval de verme do grupo das tênias. Em uma das amostras de um caititu foram verificados ovos característicos de Capillaria hepática, outro verme parasitário. E a avaliação sorológica de uma anta indicou o contato desse animal com os agentes causadores de leptospirose e toxoplasmose.

Louise ressalta que a presença dos patógenos nas amostras de sangue coletadas não sugere, necessariamente, que os animais estavam doentes. No entanto, indica que foram detectados anticorpos para agentes especí­ficos, e que possivelmente existe a presença desses patógenos no ambiente. Algumas dessas doenças podem ser transmitidas a partir do contato direto com sangue, secreções e urina de animais infectados, no caso da leptospirose, ou a partir do consumo de água e alimentos contaminados com ovos ou oocistos embrionados relacionados às enfermidades equinococose, capilaríase hepática, e toxoplasmose.

"Os resultados obtidos indicam que os fatores de risco estão mais associados ao contato com o sangue, urina e secreções durante os processos de evisceração e limpeza, do que ao consumo", enfatiza a veterinária. Foi observada, nessas comunidades, grande restrição no consumo de qualquer alimento mal cozido, seja ele originário da caça ou não. 

Outros fatores de risco evidenciados foram a contaminação do solo, água e alimentos com oocistos esporulados ou ovos embrionados e a prática de alimentar os cães com vísceras cruas. De acordo com Louise, o conhecimento dos fatores de risco para a transmissão dos patógenos pode contribuir para o estabelecimento de medidas profiláticas para os comunitários.  

Texto: Amanda Lelis

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