''O trabalho do instituto na região tem valor imensurável''

Publicado em: 15 de julho de 2019

Em continuação à série histórica do Instituto Mamirauá, batemos um papo com Isabel Soares de Souza, antropóloga que chegou na instituição para trabalhar por dois anos e já está há 19. Foi diretora de Manejo e Desenvolvimento e atualmente é coordenadora do Programa de Gestão Comunitária da organização.

Como você viu o crescimento do Instituto Mamirauá?

O Instituto não tinha toda essa infraestrutura nem física, nem de pessoal e nem esse organograma que a gente tem hoje, todo estruturado em diretorias, programas, grupos de pesquisa, então foi o momento que a equipe que estava aqui foi construindo isso. Então as diretorias, os programas de manejo, os grupos de pesquisa, e aí nós fomos criando os programas de manejo de recursos naturais, todos eles amparados, baseados em pesquisa científica e monitoramento da biodiversidade. 

Então, eu me dediquei muito aos programas e aos projetos de manejo de pesca naquela época e aí também tinha manejo florestal, agricultura. Enfim, uma série de demandas que as comunidades tinham e que a gente foi implementando com o passar dos anos e aperfeiçoando. 

Como era a convivência com o José Márcio Ayres? 

Sabe aquele chefe que você não tem nada a reclamar dele? Era isso. Ele era uma pessoa super alto astral, invejável, visionário! Á frente das ideias dele, meia hora de conversa com o Márcio te deixava deslumbrada. Eu cheguei em 2000, o Márcio morreu em 2003. Foi um momento assim que o instituto e a reserva eram muito visitados. O mundo inteiro queria conhecer aqui, ver como era essa proposta de desenvolvimento sustentável. A gente recebia muitas visitas e o Márcio sempre acompanhava essas visitas. Como eu trabalhava com as comunidades, e essas visitas incluíam visita às comunidades, eu sempre acompanhava. Então, a gente viajou muito, de barco de madeira, ficou muito em flutuante base por aí. Nesse tempo, de 2000 a 2003, eu nunca vi o Márcio estressado nem chateado. Ele estava sempre com um alto astral, uma alegria de viver e de estar fazendo esse trabalho que é o que também encanta a gente. 

Eu vim para um projeto de dois anos e acabei ficando esse tempo todo porque a gente vê o retorno disso todo dia, toda visita a campo, toda reunião que a gente faz com comunidade, toda vez que a gente faz uma pesquisa para medir um pouco as mudanças e é um retorno muito gratificante. O Márcio morreu muito cedo, infelizmente. Mas eu acho que ele conseguiu transmitir para a equipe aquilo que ele queria que a gente desenvolvesse aqui. Ele conseguia envolver as pessoas que estavam por perto dele nessa ideia de, nesse trabalho assim, nessa causa e ele conseguiu isso. 

Além do manejo de pirarucu, fale sobre os projetos em que o instituto foi pioneiro.

As primeiras licenças de manejo florestal em área de várzea para a comunidade ribeirinha, elas foram emitidas para essas comunidades da Reserva Mamirauá, em 2000. Existia o manejo empresarial em outras áreas, mas para a comunidade não existia. E aí as pesquisadoras da época se empenharam muito junto aos órgãos oficiais para licenciarem o plano de manejo florestal para a comunidade ribeirinha. Em 2010, foi criada uma instrução normativa para manejo florestal em área de várzea com ciclo de corte de acordo com a sazonalidade, de acordo com as espécies que ocorrem aqui, porque são espécies diferentes daquelas que ocorrem em terra firme. Então, ao longo desses anos também, o Instituto tem influenciado em elaboração ou mudança de polí­ticas públicas. 

Como foi o crescimento da diretora de Manejo e Desenvolvimento?

Eu assumi a diretoria de manejo em 2004. No momento, a gente estava estruturando os programas e áreas de trabalho. Antes dos programas, a gente tinha os núcleos, o de agricultura, de pesca, depois que gente foi construindo essa estrutura de programas. E tudo que como começa, começa pequeno e aí vai crescendo depois. Esses programas sempre tiveram a preocupação de interferir, por exemplo, na vida das comunidades. A gente tem um desafio enorme, que é fazer desenvolvimento sustentável, onde está previsto não apenas a viabilidade econômica do projeto, mas principalmente inclusão social e conservação da biodiversidade.

Então a gente sempre teve muita cautela, sempre teve muito embasado em resultado da pesquisa sobre determinado recurso para poder implementar. Assim a gente fez a parte de estruturação, de implementação, de influência nas polí­ticas públicas, como instrução normativa para pirarucu, para manejo florestal...

Quais foram as dificuldades superadas nesse tempo?

O Instituto Mamirauá tem um papel fundamental nas mudanças positivas que ocorreram na vida dessas populações ribeirinhas daqui do médio Solimões, principalmente essas aqui que estão na Reserva Mamirauá, na Reserva Amanã e da população do entorno. Os acordos de pesca, de uso de recursos madeireiros que incluem a população das cidades do entorno como Tefé, Alvarães, Uarini, Fonte Boa, Maraã, por exemplo, essa inclusão dessa população também é fundamental para essa população ver que a reserva é importante. 

Tinha muita resistência no início, principalmente das sedes municipais, dos empresários dos municípios, dos gestores públicos. Hoje, com esses acordos para uso de recursos, tanto da pesca quanto de madeira, a gente conseguiu mudar isso. Hoje a população do entorno vê a reserva com bons olhos. Eu acho que esse trabalho que o instituto tem feito nessa região tem um valor imensurável. A própria criação da reserva tem um valor que a gente não consegue estimar.

Que mensagem você deixa da sua história e desse trabalho institucional? 

Eu vim para um projeto de dois anos, período muito curto para implementar um projeto. AÍ foram aparecendo outras demandas também, eu me interessei muito para fazer uma pesquisa com os pescadores e então, eu fui ficando mais dois anos. Depois, veio a proposta de ser contratada pelo instituto. E aí eu já estava totalmente envolvida, à frente da diretoria, que é responsável pela implementação desses projetos todos aí, de pesca, de madeira, de agricultura, etc.

Eu acho que o quê me motiva a ficar e continuar muito é o orgulho do que eu faço até hoje e tendo motivação é o retorno que esse trabalho tem dado ao longo desses anos, não só para as populações ribeirinhas, mas para os próprios profissionais. Isso é um dos fatores que me motiva a ficar. Outro é que eu tenho um DNA indígena, então eu não consigo viver em cidade, que me sufoca e me estressa. Eu necessito desse contato com a natureza e aqui a gente tem muito isso. Eu gosto de estar em campo, não gosto de ficar muito no escritório, que acho estressante. 

Eu que estou aqui há 19 anos, percebo essa mudança até na estrutura física das comunidades. A gente vê a comunidade a melhoria nas casas, no transporte, nos equipamentos que eles conseguiram comprar a partir desses projetos de manejo. Então, isso é gratificante para a profissão. Eu me sinto útil fazendo o que eu faço e eu vejo a cada reunião que a gente vai na comunidade, o nível por exemplo, de empoderamento que elas conseguiram ter e o acesso a alguns conhecimentos importantes que eles não tinham. 

No passado, a gente tinha muita invasão de peixeiros, de madeireiros e as comunidades não estavam empoderadas nem organizadas o suficiente para barrar isso, então eles deixavam entrar. Hoje não, eles dizem ‘não, não pode, nós temos direito a esses recursos, nós temos direito, nós participamos da gestão da reserva e você não pode entrar dessa forma’. Então eu acho que esse conjunto de resultados é motivador para continuar. 

Ouça a entrevista completa aqui:

 

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